Sonho de menino


O que mais provoca o leitor de Meninos de Kichute é, a princípio, o título. Quem cresceu menino na década de setenta, quando foi lançado o tênis com travas simulando as de chuteira, ou mesmo nas duas décadas seguintes, irá lembrar da alegria de calçar Kichutes e entrar nos campinhos, a maioria de chão batido, para uma partida de futebol. A alegria de ser menino, jogar bola e sonhar em se tornar um jogador profissional de futebol justificava a razão de viver.

Traduzir Meninos de Kichute para a tela é acreditar que milhões de meninos brasileiros desfrutaram desta mesma alegria, deste mesmo sonho. O filme se justifica em revelar os sonhos e desejos de uma população simples que apesar das turbulências políticas da época nunca deixou de sonhar. As mentes dos meninos desta geração estavam ocupadas em colecionar figurinhas, jogar futebol e brincar com os amigos da escola e da vizinhança. Muitos talentos oriundos das comunidades pobres das periferias do Brasil se revelaram na geração dos anos setenta.

O espectador mais carente em filmes de sua geração no cinema brasileiro é o adolescente. Há filmes representativos, mas na maioria das vezes de outras culturas, não da nossa, do nosso jeito de ser. Este filme se justifica em cativar todos aqueles meninos e meninas que adoram ir ao cinema e sonhar com as fantasias de ser gente grande, incluindo os adultos, que insistem em manter vivas as memoráveis lembranças da adolescência.

Meninos de Kichute é um filme deliberadamente poético, crítico, reflexivo porque descobre o inexorável passar do tempo, uma obra com uma narrativa que reconstrói as experiências desconcertantes de um menino, onde o rito evolui para uma outra e mais dolorosa mudança, que é justamente a percepção do tempo que se perde, que se deixa, irrecuperável.